A Câmara Municipal de Baião assinalou esta segunda-feira, feriado da Restauração da Independência, em Santa Marinha do Zêzere, o 99.º aniversário do nascimento de Orlando de Carvalho, juntando dezenas de pessoas numa sessão muito participada dedicada à reflexão cívica, à memória e ao reforço do papel do SEDOC – Sala de Estudos e Documentação Orlando de Carvalho. As comemorações integraram uma conferência sobre direitos humanos, uma visita ao espólio do jurista e um concerto do órgão de tubos de 1793 da Igreja Paroquial.
A presidente da Câmara Municipal, Ana Raquel Azevedo, sublinhou a importância do legado do jurista baionense e reafirmou o compromisso do novo executivo com o SEDOC, salientando que este “não pode ser apenas um arquivo”, mas “um lugar de compromisso, de memória e de aprendizagem”.
Na sua intervenção, reforçou que o SEDOC deve assumir um papel cada vez mais ativo na valorização da memória e do pensamento jurídico de Orlando de Carvalho, sublinhando que o município pretende “reforçar e valorizar este espaço, garantindo-lhe condições para cumprir plenamente a sua missão”.
A presidente lembrou ainda que, em 2026, Baião assinalará o centenário do nascimento de Orlando de Carvalho, defendendo que se trata de “uma efeméride única, irrepetível e que exige de nós uma celebração à altura da grandeza do homenageado”. Nesse sentido, convidou os jovens baionenses que estudam ou trabalham na área do Direito a integrarem um grupo de trabalho dedicado à preparação das comemorações, afirmando que este é um momento para “honrar a vida e a obra” do jurista e “continuar o caminho que ele nos deixou”.
Direitos humanos, liberdade e memória em debate
A sessão contou com a presença de João Soares, antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa e Ministro da Cultura, que partilhou experiências pessoais com Orlando de Carvalho e recordou o impacto que o professor teve na sua formação cívica. “Sempre ouvi, em minha casa, os elogios mais sérios ao professor Orlando Carvalho, uma referência de carácter, de dignidade, de convicção e de fidelidade à liberdade e aos direitos humanos”, afirmou.
No debate, João Soares abordou os desafios atuais dos direitos humanos, com particular atenção à imigração, defendendo que “Portugal não deve ceder a discursos de rejeição ou intolerância”. Recordou que o país tem uma longa história de emigração e que muitos portugueses enfrentaram condições duras no estrangeiro, salientando que “os portugueses têm uma capacidade de adaptação e de entendimento com os outros que poucos povos têm”.
Nesse sentido, destacou que “nós sempre fomos um povo tolerante, mesmo nos piores momentos da nossa ditadura” e alertou para a importância de combater falsos argumentos sobre segurança: “a criminalidade em Portugal não está de forma nenhuma relacionada com a imigração”.
João Soares lembrou ainda que muitos setores da economia dependem do contributo de trabalhadores estrangeiros, afirmando que “são os imigrantes que cobrem necessidades essenciais do país”. E reforçou que Portugal deve manter-se fiel à sua tradição humanista: “podemos ser, no mundo, um farol de boa vontade, de solidariedade e de sentido de fraternidade”.
A importância do SEDOC e do legado académico
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Marinha do Zêzere, Manuel Pereira, destacou o papel da comunidade local na preservação da memória do jurista, sublinhando que “a vossa participação dá sentido a este momento e demonstra o respeito que a comunidade continua a nutrir por Orlando de Carvalho”. Na sua intervenção, valorizou o trabalho desenvolvido ao longo de vários anos em torno da Sala de Estudos e Documentação e expressou o desejo de que o novo executivo municipal “prossiga este caminho, reforçando o compromisso com a cultura e com a proximidade às freguesias”.
Também Teixeira de Sousa, responsável pelo SEDOC, evocou o compromisso de Orlando de Carvalho com a liberdade e com os direitos fundamentais, lembrando que o jurista “gostaria de ser reconhecido como uma pessoa que lutou contra um regime e como um grande defensor das liberdades e dos direitos”. Sublinhou ainda o papel determinante de Helena Carvalho, sobrinha de Orlando de Carvalho, afirmando que “sem a Helena Carvalho não haveria Sala de Estudos, porque foi ela que doou o espólio que deu origem a esta ideia de perpetuarmos a memória do tio”.
Expressou ainda confiança no futuro do projeto, afirmando ter “esperança que esta sala continue com novas perspetivas e continue a cumprir a missão de homenagear uma pessoa que sempre lutou pela liberdade”.
O diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Pedro Costa Gonçalves, enalteceu a dimensão académica do homenageado, afirmando que “não há ninguém que tenha sido aluno do Professor Orlando Carvalho que não tenha tido uma experiência marcante”. Considerou-o “um professor singular”, cuja visão antecipou vários debates contemporâneos, incluindo os chamados “novos direitos”.
Recordou ainda que “o que mais me impressiona na sua figura é a dimensão de grande jurista e grande professor” e concluiu destacando o seu vínculo profundo à academia: “se a Faculdade fosse um país, o país do Orlando Carvalho era a Faculdade de Direito de Coimbra”.
A sessão contou também com a presença de Armando Fonseca, Presidente da Assembleia Municipal de Baião, que integrou a mesa da cerimónia.
Homenagem e concerto encerraram o programa
Após o debate, os participantes visitaram a sala onde se encontra o espólio de Orlando de Carvalho, momento em que foram colocados ramos de flores em sua homenagem e em memória de Helena de Carvalho.
As comemorações terminaram na Igreja de Santa Marinha do Zêzere com o concerto do órgão de tubos de 1793, interpretado pela soprano Mónica Lacerda, por Tadeu Filipe (órgão) e por David Rodrigues (bandolim), que proporcionaram um momento musical intimamente ligado à identidade cultural do território.

